Tranquilidade é tudo

Sabia que o ponto fundamental para se viver bem estava na tranquilidade. Assertivamente, costumava dizer para si mesmo uma enfadonha ladainha:“eu sou tranquilo, eu sou tranquilo, eu sou tranquilo”. Ouvindo-o falar isso até parecia que o cara sofrera uma espécie de lavagem cerebral ou outra coisa que tal ou devia estar lendo esses livros de auto-ajuda. O fato é que procurava não aborrecer-se com nada, e, principalmente com os asnos – era assim que tratava os pretensiosos. Achava-os insuportáveis, mas isso é coisa do passado. Algo impensável a um homem tranquilo como ele. Por muitas vezes viu-se exilado da lida humana por causa da inveja dos outros. Cria piamente nisso. Trazia na memória – de cor e salteado – todos os capítulos do Diálogo Sobre a Amizade, de Cícero. Primava pelas boas amizades, sobretudo, dos amigos que sempre estiveram ao seu lado tanto na bonança quanto nas dificuldades. Orgulhava-se dos seus seis amigos verdadeiros, batia no peito e dizia: “eis o latifúndio fértil da minha existência”. E assim esse homem resolveu testar a sua tranquilidade. Primeiro, na fila do banco. Mais tarde, na do mercado. Depois no empurra-empurra do metrô. Por último, enfrentou – corajosamente – a calçada tomada por cavaletes com propaganda ostensiva de construtoras e políticos. Enfim, quando pensou que ia explodir, lembrou-se da ladainha: “eu sou tranquilo, eu sou tranquilo, eu sou tranquilo.” Assim, tranquilamente, ateou fogo naquela imundície toda. Como disse: tranquilidade é tudo.